Para entendermos o funcionamento do luto e conseguirmos lidar com ele de maneira eficiente na clínica psicanalítica, é necessário compreendermos as posições esquizoparanóide e depressiva, estágios que se tornam nossas principais engrenagens comportamentais durante toda a vida.
Enquanto vivemos na posição esquizoparanóide (dos 0 ao 6 meses de idade mais ou menos), estamos em uma constante relação de voracidade e gratificação com o objeto primário. Fazemos investidas sistemáticas a fim de obter a gratificação que o objeto primário detém.
As investidas são a execução do mecanismo de defesa chamado desvalorização do objeto. Isto é, a fim de acabar com a frustração da inveja (de não ter o que se deseja), o bebê tenta destruir aquilo que detém o que se deseja (neste caso, o objeto primário que pode ser o seio, a mamadeira, ou qualquer coisa que o alimente). Ao destruir simbolicamente o que se deseja, a inveja é compensada (deixa de ser sentida), pois o objeto que detém o que se quer não existe mais.
A problemática deste mecanismo é que aos poucos as percepções da psique do bebê começam a se expandir, trazendo a subjetiva compreensão de que o objeto mau (detentor do leite e da gratificação) era também o objeto bom (que alimentava). Como consequência, o bebê entra na posição depressiva.
A posição depressiva se manifesta em algumas etapas:
– O bebê sente o luto pela primeira vez. Suas investidas contra um objeto que também era bom revelam agora fragmentos de sua consolidação. O objeto bom não existe mais, se fundiu com o objeto mau, se tornando irreparável. A extensão do luto dependerá exclusivamente da intensidade das investidas feitas pelo bebê na posição esquizoparanóide. Quanto mais ataques foram feitos, maior a dificuldade de reintegração do objeto;
– Ao mesmo tempo, o bebê manifestará os primeiros sintomas neuróticos, comprovando que se adaptou à sociedade e à cultura: sentirá culpa por ter destruído o objeto bom;
– Incapaz de aceitar a nova realidade, não mais circundada pelas fantasias inconscientes dos objetos bom e mau, o bebê tentará reparar os estragos que fez. A partir de então, todas as suas manifestações serão tentativas de alegrar e reparar a infelicidade projetada nos objetos que estão ao seu redor, um reflexo da tentativa de restauração dos danos causados pela própria voracidade.
As etapas da posição depressiva acontecem sucessivamente e de forma cíclica com a posição esquizoparanóide. Ou seja, uma vez que o bebê tenha passado por todas as etapas da posição depressiva, voltará a iniciar o processo de ataques sistemáticos, retornando assim à posição esquizoparanóide. A diferença é que agora, com a percepção expandida, a subjetividade dos terrores inconscientes terá ganho roupagens civilizatórias e o bebê fará ataques sob os mantos da cultura.
Além disso, a incapacidade ou dificuldade de lidar com o luto se baseia no fato de que os objetos amados são amados simplesmente porque são alvos de nossas pulsões. Com eles, vivemos uma relação de identificação projetiva. Isso significa que o que amamos e achamos belo é uma parcela de nós mesmos projetada sobre o objeto. Quando o objeto é destruído (morre, vai embora, some etc.), perdemos fragmentos de nossas pulsões (em especial a libido) que estavam apregoadas ao objeto e, como resultado, sofremos até que sejamos capazes de fazer a nossa própria reintegração pulsional.
Por fim, as posições esquizoparanóide e depressiva se repetirão por toda a nossa vida. Todas as nossas relações futuras serão ecos de nossas relações arcaicas com o objeto primário. A intensidade da voracidade e do luto que sentimos na vida adulta será sempre uma referência direta à nossa relação com o seio/mamadeira.
O tratamento, como acontece convencionalmente, deve ter como foco o desmantelamento do superego que impede o indivíduo de perceber a própria voracidade e que ao mesmo tempo o pune por suas ações. Conforme se dá conta de todas as regras artificiais que estabeleceu a partir das fantasias arcaicas, o indivíduo se torna capaz de ressignificar todos os elementos da manifestação da voracidade e de reintegrar suas pulsões, dando fim ao luto.
É interessante como o ciclo de posições esquizoparanóide e posição depressiva se repete de forma inconsciente em todas as fases da vida. Talvez quando se toma consciência disso, seja mais fácil lhe dar com os ciclos, pois haverá um raciocínio sobre tal, e não será tomado 100% pelas emoções, o que seria possível de causar menos sofrimento no indivíduo.
Todo o comportamento infantil até a idade adulto são reflexos de tudo que nos foi ensinado e adquirido aí longo do tempo …
Grata pela contribuição e esclarecimento!
É impressionante como os primeiros meses de vida é fundamental na formação de toda a fase da vida .
Durante o manejo clínico é importante que o analisando perceba que o bebê procura se adaptar a sociedade, então surgem os primeiros sintomas neuróticos, onde ele tenta reparar a sua própria voracidade, e esta tem relação com o seio materno. E que ele (analisando) não está só nessa busca por entender e aceitar o Luto.
É impressionante como praticamente todos os seres humanos se comportam dentro dos siclos esquizoparanóide e depressivos por toda uma vida.
Importante essa explicação
Ciclo de posições esquizoparanoides e posição se repetem de formas inconscientes em fases da vida.
Cada ser humano tem um comportamento.
Muito interessante ler este texto após ouvir o podcast do mesmo tema do próprio instituto Somata. Ficou muito claro. Incrível como algo lá da época da amamentação pode influenciar um adulto e até mesmo um idoso.
Realmente só a psicanálise para trazer tanta lucidez!
Sou muito grata por estar nesse caminho!
Toda a complexidade comportamental humana se resume às frustrações que muitos não são capazes de aceitar. O bebê já demonstra isso de maneira evidente e reflexiva aos nossos olhos.
Penso…
Até o 1 ano de idade a criança está apenas recebendo, se julgamento, cultura ou negação. Nesse ponto, todo (a partir do 1 ano) os ciclos começar a ser construído, quando a criança começa a confrontar tudo que recebeu(consciência passiva) com sua experiência (consciência ativa) consciente. Nessa fase, esse confronto se revela negativo para a criança pois o adulto lhe nega, lhe proíbe o limita. Nessa fase, a criança julga, avalia… para rejeitar ou aceitar o externo sobre o interno….
Na época qual vivenciamos numa reflexão propria ;desde a época inicio da civilização vemos bebes que não conheceram o seio materno o amor maternal na h da alimentação ,sobre cuidados diverssos, antes era por conta da educação,conhecimentos ,cultura ,hoje na era robotica seria por falta de tempo ?A cultura mudou e junto com ela os problemas no luto maternal .
Muito esclarecedor!!!
Obrigada.
A dor da perda desde o primeiro dia de vida, acabam nos deixando mal preparados para lidar com certas situações, apenas fazem parte da existência de qualquer ser humano. Com o tempo vamos lidando melhor com isso.
Estou gostando muito.
E impressionante como o ciclo da primeira infância interfere na fase adulta,e se o adulto não tratado refletem tudo de novo nas demais geração e um luto constante.,sem tratamento e como querer quebrar algo hereditário,tem que corrigir atos plantados,na infância e não se repetir.
A dor de perde alguém nos prejudica em todos os sentidos trazendo doença psicossomática e o pior e quando vem uma gravidez após esse trauma vc interfere tudo a ela,E impressionante como o ciclo da primeira infância interfere na fase adulta,e se o adulto não tratado refletem tudo de novo nas demais geração e um luto constante.,sem tratamento e como querer quebrar algo hereditário,tem que corrigir atos plantados,na infância e não se repetir., começando no primeiro ciclo larga o emprego se for possível dar bastante carinho e atenção as crianças.
O tratamento do luto na clínica psicanalítica é uma abordagem que requer sensibilidade e compreensão das complexidades do processo de luto. Gratidão pela riqueza de conteudo.
O ciclo da primeira infância interfere na fase adulta,e se o adulto não tratado refletem tudo de novo nas demais geração e um luto constante.
Incrível como indivíduo pode regressar a posição esquizoparanoite em situações de muita angústia, traumática, aflitiva passamos a enxergar antes dos 6 meses de vida dividindo em objetos bons/maus se sentindo perseguido em condições subjetivas . Muito esclarecedor o mais interessante é Esquizo : Remete ideia de separação.
Paranoide: Sentimento de perseguição .
O tratamento do luto na clínica psicanalítica é uma abordagem que requer sensibilidade e
que em muitos bastaria ouvir a alma do individuo) para que o
mesmo alcançasse o alívio)
A primeira fase da vida diz muito de nós mesmos.E necessário ter esse olhar para descobrir os gatilhos que levam o ser humano a constantes variações nas emoções.
A primeira infância deve ser vivida de maneira a cumprir todas as etapas tranquilamente, para que posteriormente a pessoa tenha uma boa saúde mental, mas muitos fatores colaboram para que essa fase não tenha tanto exito assim, como o ambiente em que se vive, a energia depositada em coisas fúteis, as prioridades do momento, a alimentação escolhida, a repressão, a baixa estima, a troca entre pais e filhos, que nem sempre são saudáveis, entre outros fatores.
Essas situações desencadeiam memórias negativas, desenvolvendo uma personalidade pobre de perspectivas e trazendo tristeza e sofrimento.
Se as pessoas soubessem que a primeira infância deve ser bem vivida, evitariam muitos males na vida adulta.
Incrível… hoje com tanto entendimento vejo coisas que não via anteriormente, até sobre mim.msm!
A psicanálise me ajuda a me entender muito e a compreender mais as pessoas. Pois se todos tivéssemos esse amglo, criariam-se filhos com mais eficiência, usando a maneira correta para crescerem pessoas saudáveis.
Obrigada. Bem explicado e objetivo.
Deve-se cumprir bem as etapas da primeira infância, pois é o que refletirá em toda a existência do indivíduo, ou seja, a posição esquizoparanóide e a depressiva se repetem de forma inconsciente em todas as fases da vida, levando em consideração a cultura, a família e a sociedade na qual está inserida. A psicanálise está me ajudando muito a me relacionar com as pessoas, inclusive na minha própria família.