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Aprisionamentos Psíquicos nas Estruturas Religiosas

Autoria: Profª Esp. Aglaé Santana de Oliveira

Resumo

Este estudo é uma base de pesquisa teórica que teve o propósito de definir a construção de delírios de perseguição das religiões, traçado pelo olhar freudiano, que tem como fundamento o complexo de Édipo, sucedendo num superego rígido enviesado de fixações nos estágios iniciais do indivíduo, ocasionando na sequência dos contextos das fases psicossociais. O objetivo é elencar a construção dos delírios que assombram o terror, que é corroborado nos atendimentos analíticos onde o medo alterna entre a perseguição e o devaneio, resultando em neuroses intensas, punições, castrações e morte. Do absurdo que cerca a vida, paralisando o indivíduo e deixando-o fragmentado em todos os seus processos da infância e demandando os desenvolvimentos constantemente. Vivendo a ambivalência do profano e sagrado, do amor e do ódio, da culpa e do pecado, firmando diversos aspectos neuróticos apontados por Freud desde da sua conferência em: Atos Obsessivos e Práticas Religiosas. Para tanto, buscou-se a fonte de pesquisa em: “Totem e Tabu”, “O futuro de uma Ilusão”, “O mal estar na Cultura” e alguns outros mais. Tem-se por objetivo, também, investigar a relação que isso tem com o superego, com o complexo de Édipo, suas castrações, e nas suas obediências e suas transgressões. Freud, nos estágios psicossexual, nas especificidades da fase oral, traz reflexões sobre a religião agregada ao medo e a culpa advinda de uma autoridade celestial. Restringindo o indivíduo na sua liberdade, contendo o seu desejo de poder ser o que quer, continuando na submissão de uma condição delirante inventada por normas rígidas. Essa base religiosa que se sustenta em algo ardiloso e que foi sabiamente pesquisado, estudado, avaliado, comparado por Freud. Mergulhar nesse olhar e ganhar sua vida em direção própria, é um vislumbre de liberdade, ao menos, para se auto conhecer e ter um mínimo de equilíbrio para transitar nas suas cargas pulsionais.

Palavras-chave: Religião; complexo de Édipo; superego; pai; neurose;

 

Introdução

O totemismo, segundo Freud (1912), é um sistema; na constituição das culturas primitivas a religião tem o primeiro trato público, estabelecendo uma organização social, que partiu dos clãs totêmicos; os ritos totêmicos nada tem além que delírios e selvagerias, e que passa por diversas culturas essas selvagerias e suas elaborações são de acordo com cada sociedade dentro da sua época e suas características. Entretanto um ponto é certo: a base da estrutura é composta de delírios e diversas atrocidades que partem de uma civilização que neurotiza o
indivíduo, distanciando este da sua autenticidade e trazendo uma idealização de alguém que se encaixe nos contextos sociais e assim de alguma forma se “ajuste” para compor áreas que atendam uma sociedade, mas não a si mesmo.

As religiões primitivas sempre tiveram suas bases no caminho da ilusão, isso foi observado pelo antropólogo Frazer,1890 que tudo era feito com propósito de ter uma nova elaboração que se distanciasse de uma realidade, era tudo sempre transformado, e isso é consonante com as religiões ainda atualmente, pois sua forma que tratam os elementos que constituem seus padrões, é trazido para o medo com suas punições. Os preceitos religiosos são categóricos nas suas culturas vigentes nessa derivação de ilusão, exemplo nítido foi expressado por Freud na observação de Frazer: “Frazer menciona a crença alemã de que uma faca não deve ser deixada com a lâmina para cima; deus e os anjos poderiam nela se ferir.” (Freud, 1912, p.100) Freud ainda interroga a possibilidade desse “ferir” estar atrelado aos pensamentos inconscientes recalcados de cargas pulsionais agressivos.

Neste trabalho de pesquisa, relacionado à religião e à sua respectiva base construída, tem por objetivo trazer a compreensão da raiz de todas as mazelas, e como isso interferiu nas tomadas de decisões mais sombrias e perversas, que se solidificaram nas instituições religiosas, e que partiram desse ponto como justificativa para poder legitimar toda a crueldade de assassinatos de grupos de milhões de pessoas; e sem contar com as neuroses e psicoses que vão transitando no percurso da vida que nos settings analíticos são trazido na consonância das religiões e das
intensificações neuróticas.

Um percurso religioso

Exemplos na história da humanidade não faltam, basta ver onde que a sociedade se firma para justificar todos crimes, genocídios, delírios infantilizados e truculências: na religião. Freud, em “Totem e Tabu”, cita que o antropólogo Frazer, no seu livro “Ramo de Ouro”, menciona que na cultura japonesa, as facas eram mantidas com suas pontas para baixo com o objetivo de não ferir deus e nem os anjos, um exemplo de absurda infantilidade. Exemplos de atrocidades religiosas nos conteúdos históricos são diversos, entre as idades Média e Moderna. As torturas da inquisição cometidos a favor de manter a supremacia branca de base única do cristianismo, tinham variados métodos de torturas para confessar a traição da fé, havia uma roda de fogo que era prendido ao corpo do acusado e essa roda entrava em movimento e se aproximava do fogo, provocando imensas queimaduras, em algumas ocasiões essas rodas tinham também pontas afiadas, que quando entrava em movimento, essas pontas eram enfiadas no corpo do então réu.

As atrocidades continuam, há também a Ku Klux Klan uma sociedade racista que, segundo (Martinez, 2008), teve como objetivo inicial aterrorizar os negros que haviam sido libertados pelo então presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln. Esse movimento de sociedade secreta ficou consistente quando o pavor dos antigos escravizados era mais notório. Depois do real sucesso que teve esse movimento na sociedade apoiado e sustentado pelas famílias e a instituição religiosa de protestantes, pôde-se perceber da dimensão brutal de perseguição e morte aos que não se submetiam ao que esses grupos ordenavam. Resultou em 5 milhões de membros espalhados pelo mundo em nome da fé, e de manter essa fé diversos grupos que além dos negros, teve também asiáticos, ativistas de direitos igualitários, judeus e católicos, eram perseguidos e tinham seus corpos enforcados pendurados em árvores ou espancados até a morte. Isso era feito com citação bíblica por sacerdotes no protestantismo, que utilizava do medo que os negros tinham de “fantasmas” para promover seus desfiles com capuzes brancos, assim também como abóboras cortadas ao meio, dando a entender que eram pessoas mortas sem cabeça, ou cortadas ao meio que voltariam para assombrar o povo negro. Esses procedimentos que ainda hoje, em algumas religiões, a fim de se afastarem de “fantasmas”, utilizam aparatos para se protegerem. E as citações bíblicas pelos sacerdotes eram justificadas perante a sociedade que o movimento era para proteger toda comunidade dos grupos que não queriam se submeter a ser dominado, e eles teriam que pagar com suas próprias vidas sendo perseguidos da forma mais brutal e absurda que pudesse ter; e todos esses atos criminosos eram atenuados dentro da base da religião.

Outro maior exemplo que impactou o mundo foi o partido nazista coordenado pelo também cristão Adolf Hitler, que fez a seguinte citação: “Meus sentimentos, como Cristão, mostram meu Deus e Salvador como um guerreiro. Como Cristão, tenho o dever de ser um guerreiro pela justiça e verdade.” Mais uma vez na história da humanidade seis milhões de pessoas foram perseguidas e assassinadas entre judeus, ciganos, poloneses, deficientes físicos e mentais, homossexuais, prisioneiros de guerras soviéticas, e qualquer pessoa que não estivesse de acordo com o regime do partido nazista, a mando de um ditador que tinha a religião e deus como base religiosa cristã. Curioso notar que alguns historiadores, a fim de justificar também suas práticas religiosas pessoais, tentam afastar crueldades e atrocidades de ditadores religiosos que promoveram/promovem assassinatos e extermínios de grupos com o fato de serem religiosos de fato, querendo expor uma ideia de que
esses ditos não podem ser classificados de religiosos por serem assassinos, isso comprova o fato de não conhecer ou ignorar a célula primária da religião, que é o que de fato propõe esse artigo.

Chega-se aos dias atuais, passando por diversas culturas e por infinidades de absurdos, crimes de todas as grandezas, atrocidades muito presente nas instituições religiosas com promoções de tantos processos históricos na trajetória da humanidade. É sabido que desde bebê fazemos investidas para obter a gratificação, fazemos esse trajeto com várias facetas como mecanismos para sobreviver diante da insegurança, da culpa e da insatisfação vividas ao longo dos estágios e que são tão básicos na vida do indivíduo; estas são, sem dúvida, as causas da externalização de angústias pelo sofrimento causado, que possivelmente esteve presente: um pai que, no desejo do filho, oscilou entre os anseios de ser protegido, como também o desejo de o matar.

Consequentemente a culpa nasce em duas bases, a primeira aparece dentro de um personagem autoritário, que seria como punição aos desejos primários e que também transmite segurança: o pai. Persegue-se o formato de punições por conta da continuidade desses desejos que assombram o contexto da humanidade em volta do medo. A outra base é o que compõe o superego, quando essa continuidade dos desejos arcaicos já surge como regra ditadora de preceitos morais mantido e preservado nas instâncias sociais, prevalece a culpa. (Freud, 1929).

A Religião Segundo Freud

A religião segundo Freud é uma ilusão que teve como causa o desamparo dos desejos reprimidos, dos anseios sofridos pela carga psíquica do indivíduo. A religião vem como alívio das angústias, dos conflitos e das expectativas da segurança e satisfação que acompanha a criança. Vem como substituição, onde o foco é repetir os sentimentos oscilantes de amor, pela segurança causada, e pelo ódio, das punições de regras, advinda de um superego rígido numa base construída na instituição religiosa. Nada mais que: aprisionamentos neuróticos infantis e que são
elaborados na fase adulta, com recalques de amparos e desamparos. Em Totem e Tabu, segundo Freud, a gênese das religiões na constituição da formação social, a humanidade inicia com regras e eram liderados por um pai e esse pai mantinha relações sexuais com as mulheres dos grupos e era proibido que outros homens fizessem o mesmo, os filhos acabam assassinando esse pai, “o crime primevo”, quando isso acontece os grupos se dividiam em pequenas tribos ou clãs com seus totens que poderiam ser um animal ou uma planta. Com o assassinato do pai e os confrontos dos desejos sexuais, surge a culpa, e essa culpa tem a necessidade de adoração e obediência que associa a religião para atenuar e lidar com a ansiedade, incertezas, dor e os questionamentos da própria mortalidade.

A humanidade a fim de externalizar suas carências obtidas pelas demandas construídas, oriundas das mazelas vividas, das privações do superego e que se inicia nos confrontos da própria estrutura psíquica dentro do formato social que ocasiona desde demandas neuróticas e obsessivas até as repetições de buscas de objetos que proporcionam a segurança perdida. O indivíduo lida com sua própria estrutura psíquica, que traz confrontos nas instâncias do ID, Ego e Superego, suportando demandas atreladas a variedades desconexas de sentimentos e quereres e tendo ao mesmo tempo que suportar os infortúnios das instâncias psíquicas dos seus pais/cuidadores.

Dentro desse aparato todo chega-se a diversos mecanismos que são os encaixes encontrados dentro de cada demanda e daquilo que faça sentindo, mas uma coisa é certa: delírios, fantasias e uma fé que nasce numa má construção de absurdos e negligências. A religião tem base na crença de seres imaginários com diversos rituais carregados de neuroses. Tem consequências na construção do desenvolvimento psíquico do indivíduo, seus eventuais contextos sociais e seus confrontos de avanços neuróticos autopunitivo e que foi comparado por Freud, como neuroses infantis trazidas da imposição religiosa consagrada na culpa; no medo; perseguição; carências e buscas de recompensas. Sua estrutura tem atos obsessivos no contexto da prática religiosa. Tem como origem repetições nos rituais: tanto do neurótico obsessivo quanto no neurótico religioso, sempre com objetivo de se livrar, se proteger, se ganhar, tudo fundamentado na culpa (Freud,1907).

A crença em símbolos e deuses em diversos rituais de diversas culturas, aparecem como domínio para a sociedade poder se organizar e assim exercer poderes fundamentados nos grupos políticos, religiosos e suas facções prontas para repressões de todo comportamento que assim pudesse sair do controle. Assim Freud percebia a religião como sendo um delírio que faria a humanidade distanciar da sua própria natureza, com essas repressões surgiria os aprisionamentos psíquicos dentro de todo tipo de infortúnio que se desenvolvia de acordo das relações humanas dentro dos contextos sociais. É a partir desse estudo onde a religião é citada por Freud como causa de impactos relacionados a comportamentos, ideias, atitudes que se consolidam em neuroses obsessivas, muitos aprisionamentos e muitas incertezas.

Freud afirma que futuros assegurados só é possível com base da realidade da sua própria vida (Freud, 1929). Quando o indivíduo não reconhece sua vida passada, nem domina o seu presente, não poderá ter noções do seu futuro, não conhecendo efetivamente sua própria construção de inseguranças, criando inclusive, histórias delirantes a fim de se encaixar na vida social e obter temporariamente uma gratificação. Tudo é oscilante, incerto e infantilizado e que parte exatamente de algo tão básico: conhecer a si mesmo, encontrar suas raízes, buscar o elo de um passado que em todos os formatos de vida atual, estará interligado no passado e no agora, para que enfim se transite com certo equilíbrio nas suas cargas pulsionais. Entender toda essa demanda com o passado sombrio e hostilizado que se funde com o presente neurótico em busca de uma recompensa vinda dos céus, trazida pelo pai, é sem dúvida, o início do desmantelamento do superego.

A frustração transmite a repetição com o único objetivo: de encontrar a gratificação. Como foi perdida, ou nunca tida, o indivíduo vivencia em um caminho de perspectivas de encontrar sem concluir, esse caminho é o que de fato o satisfaz, é o que se conhece, e isso o faz repetir atitudes com dores, analisando externamente, é algo que não faz sentido, entretanto é o que se conhece. Um caminho tortuoso de tentativas em busca dos componentes responsáveis para o desenvolvimento do indivíduo, a segurança e a satisfação, nunca é encontrado nos contextos sociais com autenticidade, enquanto não se conhece a demanda que iniciou a trajetória de tragédia da sua própria vida, a pessoa continua na fixação de uma demanda idealizada e sendo assim, vive numa vulnerabilidade de contextos cruéis de grupos bem articulados com propósitos bem definidos nas instituições religiosas. Um ser vulnerável, confuso e oscilante, terá bloqueios e, segundo (Klein,1957), a dor psíquica anda junto com a culpa, sendo suscetível às variadas instituições religiosas.

O Pai

“O superego – herdeiro da influência parental” (Freud, 1928). Sendo o superego a instância que se baseia na moralidade que representa regras, condutas associadas ao pai, que sofre diretamente sua influência em dois pilares: autoridade e proteção. O pai é o alicerce dessa constituição, é quem direciona essa moralidade, essas restrições, é quem decide manter aquilo que é certo ou errado, onde o filho externaliza e cria sentimentos oscilantes que decorre pelo desejo, fantasia e identificação. É no superego que se chega e se vivencia a angústia, que é o avesso do prazer, da satisfação. Esse dissabor chega-se pelo desejo do objeto: a mãe, e pela fantasia de ter essa mãe, se identificando assim com o pai e almejando a morte do mesmo, a fim de tomar o seu lugar. Com o medo da castração, pela indisponibilidade do objeto desejado, o menino chega a desviar o foco trazendo a sua própria erotização, no processo masturbatório.

Superego

O superego – instância de moralidade, de regras com suas castrações, que transmite a ideia da culpa embasada de valores morais que estão constituídas nas mais variadas culturas e com seus grupos políticos muito bem engajados de obter essa conduta de retidão para fins lucrativos e pessoais. Oprimindo o indivíduo que estará dentro de mais uma instituição, preso nas mazelas e recalques, e vulnerável com sentimentos confusos e com oscilações em busca de satisfação dos desejos vivenciados em cargas pulsionais. vivendo pelo adoecimento
moral e isso deriva da primeira instituição opressora abusiva, a família, que segundo Freud é quando o superego começa a se desenvolver no quinto ano de vida, e, segundo a Melanie Klein que observou mais de perto os conflitos psíquicos na criança, percebeu que esse “conselheiro” o superego nascia mais precocemente, no primeiro ano de vida, na fase oral. Sendo assim desde de sempre essa esfera vive em nós, nos ditando regras, nos avaliando e nos julgando em cada ação, criando suas punições e nos levando ao mais alto adoecimento, e, claro, à religião.

Nasce a culpa, chega-se à fé

No processo da culpa a religião chega na vida da humanidade: é a substituição pelo absurdo que é a vida, dos pensamentos e atitudes, da distância de si mesmo, isso resulta em fugas bem constituídas que parte da premissa edípica, da não realização do desejo na construção do superego da fase fálica. As duas pulsões, (amor e ódio) pelo pai implicando nos aprisionamentos/fixações e aniquilações consequentemente
levando para vida adulta cargas de culpa, de dor e uma certeza de estar à deriva, como numa viagem confusa e cansativa com resultados que irão da aflição à angústia latente e vivida cotidianamente. Nessa culpa, chega-se ao delírio da fé, na segurança irreal dos mesmos processos de busca de uma gratificação de se sentir protegido e salvo pelo pai que ainda busca os componentes: gratificação e segurança, e parte rumo a um novo pai substituto, um pai criado da desilusão, um pai fictício. Seria uma carga libidinal desfalcada a fim de se chegar à felicidade e a um adjunto: deus.

O amor que se altera

Assim é o amor ambivalente edípico que se altera entre a gratificação da segurança e a negligência sofrida do menino para com o pai. A intenção de ocupar um lugar almejado, dando um fim para um pai que proíbe e castra, o menino deseja que esse pai desapareça. A ambivalência da estruturação psíquica do pai: aquele que pune e aquele que protege. Partindo dessa premissa o pai autoriza; reprime; impõe
formatos adequando à civilização e que consequentemente, castra. Essa autoridade simboliza aquilo que pode e aquilo que não pode, punindo e amparando aos filhos. Esse pai é o castigo e a recompensa, como tal, surge a culpa, assim como a religião que tem a forma de controlar dentro dessa ambivalência da qual vive a humanidade alternando entre o amor do pai, pela proteção e segurança e, odiando pela punição de castrá-lo. É o que vive no profano e no sagrado, uma oscilação perturbadora que o indivíduo no desespero e a fim de esquecer os absurdos numa trajetória de vida, de não reconhecer essa condição inerente do ser humano; a do confronto frente ao absurdo da vida; de buscar sentindo e aliviar todas mazelas; de trazer significados e objetivos para a vida; busca-se a religião para atenuar os confrontos e delírios, surge a fuga da realidade, começa o delírio, e, consequentemente, as mazelas psíquicas. A vida é absurda porque na sua realidade crua não há significados, não há nada para a vida humana, não há nada que dependa de um ser supremo e onipotente, e sendo assim: não há regras para seguir, assim como descreve (Camus, 1942).

Aspectos Neuróticos

“O modelo que o paranoico reproduz, no delírio de perseguição, está na relação da criança com o pai.” (Freud,1912). A religião vem com delírios de suporte, uma atenuação da dor e um reencontro com o pai, o mesmo que na fase fálica, descrita por Freud, traz um desejo de continuidade que foi rompido pelo medo da castração no qual o menino diante do complexo de Édipo, se depara. Esse desejo segue nos contextos sociais, depois do declínio do complexo de Édipo, como Freud cita que pelo fracasso de não realização do desejo interno, ele se dissolve assim como os dentes de leite (Freud 1924). Ele é abandonado porque o desejo da criança não se realiza, voltando depois em sentimentos inclinados para o amor e ódio, e sua intensidade irá descrever de como foi esse processo, assim sem estrutura vai para dentro de contextos de instituições/igrejas e se vivencia a posição da culpa; da adoração; do medo; resultando em diversas neuroses junto com seus aprisionamentos na vida adulta. Essas fixações que impedem o indivíduo de seguir desenvolvendo seu intelecto, sua coerência e sua segurança, trazendo assim desamparos.

Freud em “O Mal-Estar Na Civilização” cita que a religião rebaixa o valor da vida, de forma delirante deforma a imagem do mundo real, isso paralisa a inteligência do indivíduo. O meio encontrado de resgate à vida desfavorece a expansão do saber. Nas relações objetais inúmeras fixações se iniciam no confronto do desmame quando a mãe se distancia e o bebê internaliza a inveja, o medo do aniquilamento, a culpa e, a busca no seu próprio corpo de um segundo objeto para substituir a gratificação que recebia da amamentação que se perde quando a o seio bom se distancia, nasce a identificação das tendências genitais para depois, já dentro dos contextos sociais, buscar a recompensa. (Klein, 1975). Essa recompensa chega no formato do desamparo, trazendo a perseguição e a dor psíquica e busca a satisfação e a segurança do pai tirânico.

Delírios

Nada mais pertinente de trazer aqui o caso Schreber analisado por Freud a partir do livro escrito pelo próprio Schreber com o objetivo de ganhar a liberdade do hospital no qual encontrava-se internado e poder retomar suas atividades como jurista. O caso Schreber, atém-se aqui nessa pesquisa sua conexão religiosa. “Memórias de um Doente dos Nervos”, é o nome do livro do Schreber, onde ele próprio fez relatos sobre sua doença. Seu delírio estava agregado a deus numa base moralista, ou melhor a sua relação direta com deus. Essa relação envolvia um plano de deus, que era transformar Schreber em um corpo feminino, emascular e copular com deus uma nova raça, isso depois dele ter alguns sonhos inquietantes chegando a uma perturbadora concentração de carga pulsional da libido numa sensação de prazer sentido como se fosse uma mulher.

Essa justificativa era a mais viável porque traria a reconciliação para seus pensamentos pecaminosos e seria legitimado em seus sentimentos, pois havia no processo desse delírio, um propósito compartilhado com deus, isso o deixaria também confortável diante de um desejo voltado para o pai e que foi transferido para seu médico. Sendo deus que o queria mulher, sua mulher, nada seria mais contestado. Assim Schreber continua ouvindo vozes através dos raios divinos, os quais interferia de forma direta para com deus, e nos seus delírios: traria a ordem das coisas. “E o paranóico constrói-o de novo, não mais esplendido, é verdade, mas pelo menos de maneira a poder viver” (Freud, 1911). A justificativa encontrada numa instância de um superego bastante rígido e impiedoso, era o fato de ter sido uma escolha divina, vinda dos céus, e com objetivo de salvar a humanidade. Essa justificativa abrandaria um recalque em um mecanismo de defesa perfeito para sua transição na homossexualidade. Nos surtos de Schreber havia citações dos nomes dos padres, esse delírio tinha relação com a religião, com a moralidade, com punições, castrações e muitos recalque de desejos libidinais e incestuosos, como todo complexo edípico intenso. Ele, o Schreber acreditava que havia uma comunicação com deus, pois falava de alguns fenômenos excêntricos como falar com árvores, bichos e com o sol, este especificamente “empalidecia” na frente do Schreber, (Freud 1911, p.74). Havia superioridade nesse trato com deus, tanto que a proposta era um novo formato de humanos da copulação de Schreber e deus.

O recalque do pai

Os aspectos psicóticos apontados por Freud no caso Schreber parte da base na construção do pai, que inicia como todo complexo edípico: confrontos e total obediência, amor e ódio. Busca reencontrar nessa transferência no médico, Flechsig, volta para o sentimento hostil com pensamentos de desejos eróticos; volta para o pai; agora deus; abranda o delírio e suas diversas alucinações, e assim o conflito estabiliza (Freud, 1911 p.70). Esse conflito advém de um recalque preso das punições sofridas pelo pai, principalmente ao que tange a castração e de achar que seu sofrimento ainda passa pelo olhar crítico, ameaçados e punitivo dos céus, pois as vozes que Schreber ouvia, tinha a ver com excessos de desejos sexuais e ele acreditava que deus se afastaria por considerá-lo idiota por ter esses desejos, mais fortemente aos desejos masturbatório, sendo assim a punição viria com um medo intenso de perder a consciência. (Freud, 1911 p. 77)

O suporte que os delírios reformulam na estrutura psíquica são diversos, quanto mais um superego rígido com moralidade posicionada, mais um complexo edípico visível, com uma repressão de um desejo latente e sendo assim uma inconstância dominada por oscilações de sentimentos confusos. Esses sentimentos buscam pelo prazer sentido e perdido que encontra a religião, e que aparece como um consolo, um falso consolo, porque isso não transcorre findando aos delírios, evoluindo numa sustentação doentia chegando muitas vezes ao suicídio por não mais aguentar toda carga profundamente pesada.

O desamparo

O indivíduo chega à religião pela porta do desamparo, envolvido no processo edípico, processo pelo qual todo adulto passou, e tendo o reforço dos pais com suas preferências nos gêneros dos filhos. Nesse seguimento a criança passa por todo seu desenvolvimento com sentimentos ambíguos, vivendo ora na culpa, ora no medo. Esse medo intensifica e é quando o deus entra em ação, junto com ele, seus delírios. Suas cargas libidinais chegam transitando nas hostilidades consigo, vem mantido num superego rígido, mantido com severas críticas e julgamentos que vão intensificando suas neuroses e assim suas práticas religiosas dentro de abandonos, punições, castrações severas e bastante recalques, tão infindáveis que os mecanismos parecem muitas vezes não serem suficientes para se chegar a uma estabilidade pulsional. Algumas vezes parece que somente a morte cessa esse desassossego, nada parece ser suficiente para sair de uma pulsão constante. O adoecimento é uma causa fortalecida na instituição religiosa, trazido pelo absurdo tendo um grande aliado: o superego, que dependendo do quão rígido ele for, mais grave serão suas neuroses, suas inquietações dentro dos contextos. E é nisso que as instituições religiosas trabalham e asseguram sua continuidade perversa e intolerante e com imposições de moralidade. O objetivo é único: manter o indivíduo preso nessa corrente de pesos.

Considerações finais

A gravidade de todas as neuroses e psicoses quem determina é a instância do superego (Freud, 1925). Dentro da clínica psicanalítica temos diversos relatos de experiências de adultos que trazem suas experiências de quando criança, com teor de cargas sexuais. O adulto traz esses conteúdos envolto de constrangimento, acreditando que algo condenável esteve com ele constantemente e que sabe que a vida inteira foi punida por ter pensamentos com teor sexuais, e pelos envolvimentos de brincadeiras também sexuais. Acreditando que não estavam seguros nem nos seus quartos escuros onde descargas de pulsões libidinais, estivessem prestes a explodir no autoerotismo, acreditando que o olho do onipotente estivesse ali o observando, julgando e avaliando uma forma de castigar, punição que na mente do neurótico religioso, em constantes repetições na vida, atribuindo suas mazelas ao contexto das suas experiencias do desenvolvimento sexual ainda criança.

Dentro dessa castração nasce os diversos crimes sexuais acobertado de uma moralidade representada tão bem dentro das igrejas. A moralidade consiste exatamente no indivíduo ser flagrado pela sua consciência e pelos outros, transgredindo em ações e atitudes, fazendo o que ele julga ser pecaminoso e indecente. Esse moralista torna-se um perigo não somente para si mesmo quanto para aqueles que estão sob a sua disciplina. Como um pai tentando impor uma moralidade e educando uma criança (Erikson, 1950). Nesse mesmo contexto vemos inúmeros casos desses moralistas, líderes religiosos escravizando crianças e mantendo-as reféns sexuais. A religião sempre está mantida em casos onde há violência e vário tipos de atrocidades, percebemos que dentro de uma demanda na qual não se avalia com realidade e sim dentro de delírios, tornam-se sempre presas vulneráveis.

Quanto mais o indivíduo mantém distância do seu passado, sem reconhecer sua estrutura psíquica mais estará atrelado as circunstâncias que levará ao desespero e ao caminho das igrejas e similares. Quando não temos o reconhecimento de quem fomos deixando o passado distante da realidade de demanda construída, estaremos distantes de um futuro preciso. Sem falar das angústias, não se reconhece a base da qual foi construída. Manter distância de religiosos, consequentemente de igrejas e afins é o que torna a vida real. Com revisita ao nosso passado, nos aproximamos da nossa autenticidade, é o que exerce a prática psicanalítica freudiana: devolver o indivíduo para o próprio indivíduo, e não, ajustá-lo para devolver a sociedade. Sendo assim nossa carga pulsional, o mesmo que a Melanie Klein cita que “trazemos à luz uma quantidade correspondente de impulsos agressivos e reprimidos e podemos observar a conexão causal entre os temores da criança e suas tendências agressivas,” estará ao nosso alcance, conhecer os conteúdos que recalcamos nos permite reconhecer nossas transições de pulsão de vida e de morte, na realidade do nosso eu autêntico.

Quando se fala em análise, é possível que esses impulsos sejam reconhecidos e com isso chegamos perto das nossas transições, reconhecendo do quanto absurda a vida é, entretanto, um adulto autêntico estará mais saudável nas instituições já existentes na sociedade, principalmente nessas instituições religiões, que têm como objetivos: repressões e compensações, brotando o medo, a insegurança e a castração. Um adulto que se auto reconhece saberá fazer suas escolhas dentro dos seus próprios valores e sentimentos, e, consequentemente, a demanda será bem mais fácil de conduzir, ao menos reconhecendo uma realidade, podemos tentar ser senhores, na nossa própria casa (Freud, 1917).

Referências Bibliográficas

  • BEZERRA, Juliana. “Inquisição”. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/inquisicao. Acesso em 28 de junho de 2023
  • CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo; tradução Ari Roitman, 24ª ed. Rio de Janeiro, Record, 1942
  • CHAVES, Felipe. Doenças Oriundas da Religião, 2022
  • DOMINGUES, Joelza Ester. “Fundada a ku klux klan”, a violência racista em nome de deus.
    https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/criacao-ku-klux-klan/. Acesso em 18 de junho de 2023
  • ERIKSON, Erik. Infância e Sociedade; tradução Gildásio Amado 2ª ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1950
  • FRAZER, George James Sir. O Ramo de Ouro; tradução Waltensir Dutra; 13º vol. Zahar Editores, 1890
  • FREUD, Sigmund, O Mal-Estar Na Civilização; tradução Paulo César de Souza 1ª ed. São Paulo – Penguin Classics, 1929
  • FREUD, Sigmund. Notas Psicanalíticas Sobre um Relato Autobiográfico de um Caso de Paranóia (Dementia Paranoides); tradução José Octavio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro – Imago Editora, 1911
  • FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão; tradução José Octavio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro – Imago Editora, 1927
  • FREUD, Sigmund. Dostoievski e o Parricídio; tradução José Octavio de Aguiar Abreu. Vol XXI. Rio de Janeiro – Imago Editora, 1927
  • FREUD, Sigmund. Totem e Tabu; tradução Paulo César de Souza 1ª ed. São Paulo, Penguin Classics, 1912
  • KLEIN, Melanie. Inveja e Gratidão; tradução Liana Pinto Chaves, Vol. 3 Rio de Janeiro, Imago Editora, 1946
  • SILVA, Daniel Neves. “ku klux klan”; Brasil Escola. Disponível em:
    https://brasilescola.uol.com.br/historiag/ku-klux-klan.htm. Acesso em 18 de junho de
    2023.

2 comentários em “Aprisionamentos Psíquicos nas Estruturas Religiosas”

  1. Alexandre Pessanha da Silva CPF 00359205720

    Essa “religião” não tem nada haver com a mensagem de restauração que é proposta pelos escritos Bíblicos que nos ensina que precisamos sim de uma nova vida em Jesus Cristo, pois o nosso passado foi com ELE antes da queda do homem no jardim do Éden, a religião não restaura o homem com Deus mas, o Espirito Santo sim por meio das escrituras sagradas.

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